30.1.04

Islam e Democracia - Um Confronto de Civilizações é Inevitável?

Eu não creio que um confronto de civilizações seja inevitável, mas eu acho que existem muitas pessoas no mundo que querem um confronto de civilizações. Pelos últimos 50 anos o ocidente em geral e os Estados Unidos em particular, tem se envolvido em uma abordagem fundamentalmente cínica, ilusória e incorreta em seu relacionamento com países em todo o mundo islâmico.

Essa abordagem tem sido muito simples. Nós apoiamos qualquer ditador independente de quão cruel ele seja, desde que ele prometesse que não era um comunista e depois, quando a ameaça do Comunismo pareceu diminuir, que ele manteria sob controle o potencial radicalismo surgindo de seu povo. Isso foi feito em nome de um ideal conhecido como estabilidade, para evitar uma revolução islâmica nos moldes da que ocorreu no Irã. Os Estados Unidos e a maioria do resto do Ocidente falhou em viver os valores da democracia, devido ao seu apoio a regimes autocráticos, mas o Islam não tem disputas com a democracia como um fenômeno se apenas a democracia for propriamente expressada.

Existem pessoas no mundo islâmico que tem adotado a posição de que a democracia em sua essência é incompatível com o Islam. Um argumento padrão é o seguinte: O Islam se apóia na soberania de Deus e a democracia se apóia na soberania do povo – o que pode ser mais incompatível que isso? Parece um argumento poderoso.

É verdade que no Islam a soberania absoluta está em Deus, mas aplicar a lei requer esforço humano. O ato de fiqh, a interpretação e aplicação da lei divina para casos particulares, tem que ser feito pelos humanos. Se tivéssemos uma revelação contínua poderia ser diferente, mas não temos. O processo de moldar o governo é a responsabilidade do ser humano tentando ser fiel e responsável aos valores de suas tradições e crenças.

Do lado da democracia, a afirmação de que na democracia a soberania do povo é fundamental é um mal-entendido do que nós pretendemos por democracia hoje. Ninguém em uma democracia constitucional liberal crê que todos os nossos direitos e liberdades fundamentais são determinados pelo povo, porque se fossem, toda vez que uma maioria quisesse prejudicar uma minoria não haveria nada errado com isso. Mas nós acreditamos que temos certos direitos fundamentais que existem independentemente do que a maioria diz. De onde eles vêm? Algumas pessoas acham que eles vem da natureza, outras acreditam que vem de Deus.

De fato, os autores da Declaração de Independência dos Estados Unidos disseram explicitamente que eles vieram de Deus. Isso significa que as pessoas fazem leis enquanto elas forem compatíveis com alguns valores fundamentais que transcendem o processo de decisão humano. Existem sábios no mundo islâmico que estão dizendo que uma vez propriamente compreendida a democracia não existe razão para concluir que ela demanda uma noção de soberania que é incompatível com a soberania absoluta de Deus.

A crença absoluta de muitos fanáticos dentro do ocidente secular e tradições ocidentais religiosas é de que devemos todos nos tornar ocidentais. O que eu considero difícil sobre essa tese é um incrível ato de negação no qual é assumido que algo está inerentemente errado com os muçulmanos.

Existem 1.2 bilhões de pessoas nesse planeta que são muçulmanas, com níveis variados de educação, mas elas acreditam que o Islam é uma revelação de Deus. O mujtahid sempre reconhece que ele não está falando em nome de Deus e que a grande maioria das leis na tradição islâmica não são vistas como teocráticas mas como leis que são derivadas dos esforços de seres humanos tentando compreender a vontade divina. Então é importante para os muçulmanos reconhecerem que ao invés de olharem para a lei islâmica como um sistema teocrático monolítico, ela deve ser reconhecida como princípios divinos que nos foram dados.

Nós diferiremos em particularidades, mas no geral os princípios que regem a lei constitucional ocidental são os mesmos princípios legais atuando na lei islâmica. O que eu acho muito desolador é que a maioria dos nossos juristas muçulmanos são quase que totalmente ignorantes das teorias e sistemas legais ocidentais. O Islam é um sistema legal que pode absorver muito do que nós temos de caro no ocidente em termos de nossos ideiais democráticos.

Se por democracia entendemos uma cidadania na qual os seres humanos participam em alcançar a qualidade de vida que desejam para si mesmos, seus filhos e para os outros, então eu diria que a democracia é absolutamente compatível com a tradição islâmica.

Um tirano não adere a lei mas segue seus desejos pessoais e essa tem sido a norma por muito tempo nos países muçulmanos, e existem muitas razões para isso. Esse fato tem levado a condições sociais no mundo muçulmano que são ao mesmo tempo degradantes e debilitantes. Elas causam uma enervação na vontade e no espírito do povo.

Quando perguntarmos “o que deu errado”, devemos reconhecer que os muçulmanos provaram estar entre as mentes mais produtivas de nossa atual civilização, mantendo posições destacadas em corporações, na medicina e na engenharia. Nós tivemos ganhadores do Prêmio Nobel e contribuímos para fazer desse mundo um lugar melhor quando o ar da liberdade esteve lá para nutri-lo, mas frequentemente o espírito foi perdido.

(Trecho de um diálogo entre Noah Feldman, professor na Universidade de Nova York e autor do livro “After Jihad: America and the Struggle for Islamic Democracy” e sheikh Hamza Yusuf. Sheikh Hamza Yusuf se converteu ao Islam aos 17 anos (hoje tem 43), se formou em Teologia Islâmica nos Emirados Árabes e viajou pelo Oriente Médio para complementar seus estudos, sendo orientado pelos melhores sheikhs da atualidade. É graduado em 2 cursos universitários por universidades americanas.)

Editado de matéria veiculada na edição de Dezembro/2003 da revista QNews

“Armas de Distração em Massa” - Islamofobia

Logo após os manifestantes contra a visita de Bush terem deixado a Trafalgar Square, o Ministro para a Europa Dennis McShane deu o tom para o debate. Os muçulmanos britânicos, ele alegou, tinham que escolher entre “a modo britânico” e os valores do terrorismo. A mensagem foi alta e clara: existe um “confronto de civilizações”. Todos os muçulmanos estão sob suspeita. O extremismo e o Islam andam de mãos dadas. Os comentários foram condenados. Trevor Philips, presidente da Comissão para a Igualdade Racial, foi rápido ao retrucar que os líderes muçulmanos desde 9/11 tem sido exemplares em sua oposição ao terrorismo. McShane eventualmente se desculpou, mas o dano estava feito.

“A Islamofobia que estamos testemunhando não é meramente acidental. Ela provê uma distração importante para a poderosa elite literalmente “cuidar de seus negócios”, longe do escrutínio das pessoas comuns. “Um exemplo é a questão do banimento de estudantes muçulmanas do uso do véu e também o requerimento de que os lenços sejam removidos para as fotos de identidade. Essa medida extrema, que ataca o direito das mulheres muçulmanas de usar o que quiserem, tem sido apoiada tanto pela direita quanto pela esquerda.

“Na minha opinião, existe uma certa ironia nessa política, que de fato é uma imagem no espelho da imposição sobre as vestimentas das mulheres feita pelo Talebã. Eu digo por que as mulheres muçulmanas não podem escolher por elas mesmas: véu ou não? É um item de roupa sobre uma mulher mais importante que a matança brutal de pessoas inocentes, o estupro e a ocupação de países estrangeiros, a crescente pobreza e débito? Armas de distração em massa certamente não são menos perigosas do que armas de destruição em massa.

“Se tornou aceitável para muitos fazer generalizações negativas sobre a comunidade muçulmana, embora tais generalizações raramente sejam feitas sobre outras crenças.Ninguém pode ousar considerar todos os cristãos como intolerantes reacionários pelo fato de George Bush proclamar amplamente seus valores cristãos enquanto sanciona o assassinato de pessoas inocentes no Iraque.

A ironia é que as mesmas coisas que muitos muçulmanos consideram como fundamentais à sua crença – respeito pela liberdade de escolha, importância dos direitos humanos, igualdade de homens e mulheres, ênfase na solidariedade e luta por justiça – são as coisas menos associadas com o Islam. Ainda assim esses são os valores e princípios que motivam muitos de nós diariamente.”


Editado de matéria veiculada na edição de Dezembro/2003 da revista QNews

26.1.04

O CSID Conclama a França a Proteger a Liberdade Religiosa

Washington D.C 5 de Janeiro de 2004 – o Centro para o Estudo do Islam & Democracia (CSID) está profundamente preocupado com o fato do presidente da França, Jacques Chirac, ter escolhido introduzir uma lei que suprime expressões pacíficas da religião pelo banimento de símbolos religiosos e vestimentas em instituições e escolas públicas. Esse desenrolar é preocupante, considerando a grande influência e prestígio da França como uma das destacadas democracias do mundo. Essa legislação, se aprovada, pode ter um efeito desanimador sobre muitas sociedades em todo o mundo, muitas das quais são islâmicas que estão lutando hoje para se esquecer de seus passados autoritários.

O CSID se dedica à idéia de que o Islam e a democracia são complementares, e que apoiar a democracia não requer que alguém abra mão de sua fé ou vice-versa. A liberdade de livremente expressar sua crença religiosa, nesse caso, escolher usar ou não um lenço, é sine qua non nesse relacionamento complementar e saudável. As muçulmanas que usam o lenço o vêem como um requisito religioso e muito mais do que um símbolo. É especialmente lamentável que um país democrático force mulheres a escolher entre praticar a sua fé e a obtenção de uma educação.

Uma verdadeira democracia deve permitir todas as expressões religiosas razoáveis, desde que não sejam impostas aos outros. Somos contra a imposição de expressões religiosas, tais como o véu, sobre pessoas tanto quanto somos contra o seu banimento. Um verdadeiro estado secular não deve usar seu monopólio de poder e lei para tentar negar ou discriminar as crenças religiosas de seus cidadãos, especialmente quando eles são minorias.

Tal lei, se aprovada, faz mais que oprimir cidadãos franceses que desejam praticar sua religião. Ela incita hostilidade no mundo islâmico quando exatamente o oposto – o exemplo de tolerância e acomodação pacífica do outro – é desesperadamente necessário. Um lenço, uma cruz ou um quipá não devem, em qualquer sociedade, distrair os estudantes de aprenderem suas lições. Forçar meninas muçulmanas na França a escolher entre ir à escola e praticar sua fé causa sério dano ao desenvolvimento dos ideais democráticos ao inflamar emoções e fechar mentes aos méritos da democracia pelo mundo justamente num momento quando precisamos progredir na direção desses ideais.

Conclamamos o presidente Chirac, e o povo francês, a re-examinar essa questão à luz das preocupações expressadas nessa declaração e com o objetivo de fortalecer os ideais da democracia, liberdade religiosa e harmonia entre as religiões na França e em todo o mundo.

Center for the Study of Islam & Democracy (CSID)
1050 Connecticut Ave. NW Suite 1000, Washington, DC, 20036

Texto Original em Inglês

Contra a Maré

Muna Abu Sulayman é rara entre as mulheres sauditas. Mãe, professora universitária e apresentadora da TV MBC, ela certamente é muito ocupada.

Se você perguntar a Muna Abu Sulayman, co-apresentadora do talk show número 1 da MBC, Kalam Nawaem, se ela se considera uma feminista, ela é rápida na resposta, “Se eu tiver que ser rotulada, então eu sou uma feminista islâmica.”

“Eu acredito que as muçulmanas tem escolhas ilimitadas dentro dos limites amplos de sua religião. E se elas escolherem ser diferentes, ainda assim se atendo a todos aqueles belos valores que o Islam lhes deu, por que não?”

Não é todo dia que você vê uma mulher saudita na TV por satélite como co-apresentadora de um audacioso talk show que discute assuntos diferentes com uma franqueza sem precedentes.

As co-apresentadoras que trabalham com Muna Abu Sulayman são conhecidas personalidades da TV mas apesar disso ela se destaca e tem atraído seu próprio grupo de admiradores pela sua atitude calma, perguntas profundas e seu elegante hijab.

“Eu uso o hijab desde que eu tinha 10 anos de idade,” explica. "Eu era muito jovem e não era necessário fazê-lo, mas tendo sido educada no Ocidente o hijab para mim era um símbolo de minha identidade islâmica. Eu não o vejo como algo que limita as mulheres muçulmanas, mas que as protege.”

“Ser uma apresentadora de TV não era o sonho da minha vida. Eu nunca tinha realmente considerado essa opção. Mas me deram uma oportunidade e quando uma oportunidade vem até você, você simplesmente a agarra.”

“Eu não podia fazer isso sem antes consultar o meu pai (um pensador islâmico mente aberta e presidente do Instituto de Pensamento Islâmico em Virgínia) e quando ele disse: ‘Como eu poderia dizer não para algo que eu não creio que o Islam desaprove?’ eu decidi tentar.”

“Algumas pessoas tem forte convicção de que o que eu faço vai contra os princípios do Islam. Eu respeito suas opiniões, mas não é a minha crença ou a crença da escola de pensamento islâmico que sigo.”

Muna Abu Sulayman também é professora de literatura inglesa em uma universidade particular em Riyadh onde ela tem ensinado jovens sauditas pelos últimos seis anos. E embora ela goste de seu papel como apresentadora de TV, é pela sua carreira de professora que ela é apaixonada. E como prova disso, atualmente ela está trabalhando em seu PhD.

Muna acredita que, como muçulmanas, nós temos uma grande responsabilidade de mudar as descrições negativas das mulheres árabes e muçulmanas na mídia.

“Por longo tempo os políticos dos EUA e Europa tem usado a condição das mulheres muçulmanas como uma das suas razões para os ataques contra o Islam. Vendendo imagens negativas aos seus eleitores, eles estão astuta e estrategicamente manipulando as nossas imagens para ajudá-los em suas guerras.

Nós precisamos usar a nossa mídia para colocar em destaque aquelas que tem alcançado proeminência em diferentes campos como literatura, medicina, ciência e política. É através de tais exemplos que o mundo ocidental perceberá seu preconceito sobre o Islam.”

Leia reportagem na íntegra em inglês


Iniciativa de Paz Saudita: Estados Árabes Absorvem Refugiados

De acordo com uma nova iniciativa de paz sendo preparada pelos estados árabes, Israel negociará um acordo de paz com todos os estados árabes e não apenas com os palestinos e os estados árabes absorveriam os refugiados palestinos.

Os estados árabes exigirão que Israel recue para os seus limites anteriores à guerra de 1967, em outras palavras, que deixe os territórios palestinos e recue das Colinas de Golan.

De acordo com o plano, em torno de 2 milhões de refugiados palestinos retornariam para o novo estado palestino que seria estabelecido. Mais de 2 milhões de outros seriam absorvidos pelos estados árabes e seriam compensados pelo sofrimento que passaram.


Leia notícia na íntegra em inglês

Mais de 1 Milhão de Muçulmanos Chegam à Meca

Riyadh, 24 de janeiro – Mais de 1.1 milhão de muçulmanos de todo o mundo já chegaram na Arábia Saudita para a peregrinação anual à Meca, que chega ao seu clímax em 31 de Janeiro.

As chegadas, monitoradas pelo ministro do Hajj, incharam o número de crentes nas orações de sexta-feira para em torno de 2 milhões na cidade sagrada e em Medina, relatou a Al-Jazeera, em meio a forte esquema de segurança.

O Sheikh Abderrahman Bin Abul Aziz Al-Sudais, o Imame da grande mesquita, conclamou os crentes a “fechar as fileiras” em um momento quando o mundo muçulmano está dividido.

Ele também disse aos adoradores para “se afastarem de atos que violam a santidade do Hajj” e observar uma linha moderada.

“O Islam é a religião da paz, tolerância e respeito pelos direitos humanos enquanto o mundo todo é presa da violência, do horror e do terrorismo,” disse o sheikh.


Notícia original em inglês