23.8.05

A influência árabe no Brasil em música, teatro e prosa

A influência árabe no Brasil em música, teatro e prosa

É a Mostra Sesc de Artes Mediterrâneo, envolvendo 18 países da África, Ásia e Europa, que será realizada entre os dias 18 e 28 de agosto na capital paulista. O objetivo do evento, segundo os organizadores, é discutir a origem da identidade do povo brasileiro e procurar contemplar a diversidade cultural que forma o país. Entre os músicos que se apresentarão está o percussionista egípcio Hossam Ramzy, que tocará com o brasileiro João Bosco.


Gilberto G. Pereira

São Paulo - Não dá para discutir a cultura ocidental sem falar dos povos do Mediterrâneo, fonte da chamada civilização judaico-cristã. Com eles nasceram as três religiões monoteístas que dominam o ocidente: judaísmo, cristianismo e islamismo. Na região também surgiram a filosofia, a geometria, a prática do comércio e muitas tradições que se misturaram a outras e hoje estão presentes em todos os países do lado oeste da Terra.

Para estabelecer um diálogo entre as diversas culturas das nações banhadas pelo mar Mediterrâneo, e mostrar o quanto elas contribuíram na formação da cultura brasileira, o Sesc São Paulo está realizando um evento proporcional à importância dessa contribuição. É a Mostra Sesc de Artes Mediterrâneo, envolvendo 18 países da África, Ásia e Europa, que será realizada entre os dias 18 e 28 de agosto na capital paulista. Entre os representantes da cultura árabe estão países como Egito, Argélia, Marrocos, Síria e Líbano.

De acordo com o diretor regional do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda, o objetivo da mostra é discutir a origem da identidade do povo brasileiro e procurar contemplar a diversidade cultural que forma o Brasil. "Esse encontro também serve para trazer a contribuição dos países mediterrâneos para o nosso atual momento cultural. Isso é importante porque representa uma tomada de posição frente às nossas origens e ao nosso futuro", avalia.

O evento terá a apresentação de 163 grupos, divididos em diversas áreas, como dança, cinema, teatro, artes plásticas, literatura e música. Nesta última, o destaque árabe fica por conta do franco-argelino Rachid Taha e do egípcio Hossam Ramzy. Músico muito conhecido e respeitado no mundo árabe e na França, Taha faz uma fusão do raï - ritmo pop da Argélia - com o rock e o techno.

Já Ramzy, percussionista famoso por ter tocado jazz e rock com Peter Gabriel, Robert Plant, Gypsy Kings, Luciano Pavarotti e Rolling Stones, vai mostrar seu lado mais criativo, apresentando uma música árabe baseada nos arranjos de corda do Norte da África. Ele também trabalhou nas trilhas sonoras de vários filmes, entre os quais estão "O Corcunda de Notre Dame" e "Beleza Roubada". Junto com ele estará o brasileiro João Bosco, cujas músicas sofreram muita influência das canções árabes.

Ainda na música, a Orquestra Mediterrânea. Com regência e composição dos brasileiros Carlinhos Antunes, Lívio Tragtemberg e Magda Pucci, a orquestra terá a participação de músicos de vários países, como Grécia, Turquia e Marrocos, representado por Ramzy.

Teatro

No teatro, a grande atração da cultura árabe é o grupo marroquino Coletivo Acrobático de Tanger, encenando o Taoub, espetáculo de acrobacia milenar daquele país que envolve elementos de circo, música e vídeo. Para as crianças, serão setes peças, entre elas "Sherazade visita a Grécia Antiga".

De acordo com o coordenador da programação da mostra, Gilson Tacker, todas as apresentações são inéditas, com exceção do cinema, e não há nada que não tenha sido escolhido pela excelência. Para ele, uma das recomendações é o "Seminário Internacional Fronteiras do Mediterrâneo: Tecendo Culturas, Memórias e Identidade". "Será um momento de congregação, e por isso mesmo a hora mais propícia para o diálogo, que é uma das intenções do evento", diz.

O seminário vai reunir pensadores de vários países. Entre os participantes está a antropóloga argelina Tassadit Yacine, professora titular na École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris, que vai falar sobre a questão do povo magrebino, situado no Norte da África.

Na mostra também existe espaço para a literatura e para o cinema. Na primeira, haverá o "Tendas Literárias – Encontros e Pensares", um ciclo de debates e leituras dos autores participantes, entre eles, Salim Miguel, escritor líbano-brasileiro, Mamede Jarouche, tradutor do árabe de "As Mil e Uma Noites", Eugênia Zerbini, autora de "As netas de Ema".

No cinema, dos 17 filmes da mostra, sete são sobre a cultura árabe. Os destaques são "A batalha de Argel" e "Selves and others: a portrait of Edward Said". O primeiro é um filme de 1965, que conta a guerra da independência da Argélia contra a França, prêmio da Crítica Internacional no Festival de Veneza (1966) e duas indicações para o Oscar de 1969. O outro é um documentário sobre os últimos dias do renomado intelectual palestino Said, que morreu em 2003.

A mostra pôs em circuito todas as unidades do Sesc da capital e algumas de cidades vizinhas, como a de São Caetano do Sul. Mas quem mora no interior e não pode vir a São Paulo, terá a chance de apreciar parte do evento, que de 24 de agosto a 12 de setembro passará por 72 cidades do estado de São Paulo, entre elas, Araraquara, Bauru, Campinas, Rio Preto e Santos.

Veja abaixo parte da programação musical

Abdullah Chhadeh.
Sesc Consolação: dia 19/08, às 20 horas. Grátis.

Gaâda Diwane de Béchar (Argélia).
Sesc Carmo: dia 23/08, às 16 horas. Grátis.
Sesc Ipiranga: dia 24/08. De R$ 3 a R$ 6.

Ensemble Al-Kindï (Síria), com o Show Cantos de Amor Profanos e Sufis.
Sesc Pompéia (teatro): dias 25/08 e 26/08, às 21 horas. De R$ 10 a R$ 20.
Sesc Vila Mariana (sala Corpo e Artes): dia 27/08, às 17h30. Grátis.

Rachid Taha, com o show Tekitói.
Sesc Pompéia (choperia): dias 26/08 e 27/08, às 21h30. De R$ 7,5 a R$ 15.
Sesc Itaquera (palco): dia 28/08, às 15 horas.

Hossam Ramzy e João Bosco.
Sesc Vila Mariana (teatro): dia 27/08, às 21 horas; e dia 28/08, às 18 horas. De R$ 15 a R$ 30.

Orquestra Mediterrânea (Brasil e países convidados).
Sesc Pinheiros

A língua portuguesa tem um pé no mundo árabe

O livro do libanês Assaad Zaidan identificou mil palavras árabes no português. O texto mostra que a influência árabe no Brasil vai muito além da culinária. Termos como tarifa, mascate, alface e lacaio vêm do árabe. Na literatura, além das palavras, é possível ver traços da cultura daquela região na obra de Guimarães Rosa.

Cláudia Abreu

São Paulo - Um árabe chamado Tarif Bem Amer montou um posto fiscal em uma pequena ilha na entrada do estreito de Gibraltar. Era o ano 710. Todos os navios que iam da Europa para a África, do Atlântico para o Mediterrâneo, e vice-versa, pagavam taxas aduaneiras ao comandante. De tanto dizerem expressões como "já paguei o Tarif", surgiu o termo tarifa. Essa e outras histórias estão no livro "Letras e História: mil palavras árabes na língua portuguesa", do escritor libanês Assaad Yoessef Zaidan.

A obra proporciona ao leitor uma interessante viagem pela história da língua árabe, seu nascimento, suas longas viagens e sua influência no português falado no Brasil. Além de tarifa, outras 999 palavras aparecem no texto do libanês. Para reuní-las, Zaidan pesquisou em mais de 100 fontes bibliográficas e mais de 200 dicionários. Os cinco mil exemplares de sua biblioteca pessoal não foram o bastante, o escritor mandou buscar exemplares no mundo árabe para complementar o trabalho.

Segundo Zaidan, a idéia do livro nasceu nos anos 70, depois de um encontro com o intelectual Tufic Curban. "Ele me disse que tinha conseguido identificar 700 palavras árabes na língua portuguesa e aquilo ficou na minha cabeça", conta o escritor. O tempo passou, Zaidan escreveu outros livros em árabe e, em 1991, o primeiro volume em português, "Guerra do Golfo".

O assunto de Curban, no entanto, nunca foi deixado de lado. As palavras em português cuja pronúncia era parecida com o árabe eram anotadas, cuidadosamente, por Zaidan. Depois, uma a uma, foram confirmadas e incluídas no texto final. O livro, no entanto, não começa por elas, faz uma introdução rápida, porém precisa, sobre as primeiras letras, as primeiras línguas até chegar no árabe.

Zaidan conta, por exemplo, que o árabe é escrito da direita para a esquerda por influência dos fenícios, que, por sua vez, aprenderam com os garimpeiros, que escavavam as minas usando a broca com a mão esquerda e batendo o martelo com a direita. "Essa forma de escavação foi transformada em primeira impressão de textos, que só depois foi passada para o papel. A tinta surgiu pouco tempo antes de Cristo, espremendo carvão com goma", revela.

A língua árabe data de 1500 anos antes de Cristo, é uma das mais antigas e aperfeiçoadas. "Adquiriu ricas heranças das línguas dos povos das primeiras civilizações e dos impérios que se instalaram no Oriente Médio, como Mesopotâmia, Egito, Síria, Etiópia, Pérsia e Índia", escreve Zaidan. "Como em qualquer cultura, recebeu várias influências, é fruto de uma miscigenação", completa.

Poesia

Na primeira parte, o escritor ainda reservou espaço para falar da importância da poesia no desenvolvimento do árabe. "Os árabes, entre todos os povos do mundo, foram os que mais amaram e versificaram a poesia. Cada poeta era representante e defensor de sua tribo, relator de sua história, de glórias e trajetórias dos povos", escreve. Por meio dos poemas, eles escreviam sobre teologia, filosofia, gramática, contos lendários, astronomia e até matemática e álgebra.

Segundo Zaidan, somente o Alcorão conseguiu fazer com que os árabes esquecessem um pouco a poesia e melhorassem bastante a linguagem em forma de prosa, com frases rimadas e criativas.

Da Península Arábica para a Espanha. Os árabes aproveitaram a divisão interna da Península Ibérica para invadir a região, levaram junto toda a bagagem cultural. Córdoba, na Espanha, destacou-se tanto quanto Constantinopla e Bagdá, reconhecida como a capital cultural do mundo. Analfabetos eram raros na região e em 1130 começaram as traduções de livros científicos árabes para o latim. Obras de médicos famosos como Al Razi e Avicena (Ibn Sena) foram traduzidas.

A relação com os portugueses começou nos anos seguintes. Um grande exemplo está no nome de várias cidades. Alenquer, Almerim, Fátima e Foro vêm do árabe. "Uma dica simples é saber que todas as palavras que começam com 'al' têm origem árabe. Pouca gente sabe também que Fátima é o nome da filha do profeta Maomé", explica.

Literatura

Na Europa, o árabe influenciou grandes personalidades. Miguel de Cervantes, por exemplo, citou muitos provérbios árabes por meio do discurso de Sancho Pança, em "Dom Quixote". Traços do estilo de poesia árabe também estão nos trabalhos do poeta alemão Goethe, na obra de Dante e de Victor Hugo. O primeiro, leitor do Alcorão, inclusive escreveu o famoso poema "Divã Oriental-Ocidental".

A influência árabe também está presente em obras de sul-americanos. Os textos do argentino Jorge Luis Borges e do brasileiro João Guimarães Rosa são marcados pela cultura árabe. Milton Hatoun, que escreveu o prefácio do livro de Zaidan, lembra que em "Grande Sertão Veredas", o personagem Riobaldo conhece a família árabe Assis Wababa em pleno sertão de Minas Gerais.

Ainda na segunda parte do livro, Zaidan conta sobre as duas viagens de dom Pedro II ao mundo árabe. Ele visitou a Palestina, o Líbano, o Egito e a Síria. Foi dom Pedro que deu permissão para os árabes imigrarem para o Brasil. Encerra o capítulo contando a saga das famílias árabes em terras brasileiras. Sobrenomes como Houaiss, Chalita, Nassar e Yázigi aparecem no texto.

O livro de Zaidan está nas livrarias do país desde julho. A publicação foi patrocinada pelo governo do Estado do Pará.

Sobre o escritor

Zaidan nasceu no Líbano Central, veio para o Brasil em 1952, aprendeu o português em Alagoas, como gosta de lembrar. "Aprendi falar 'ô xente' e 'cabra da peste'", conta. Desde que chegou ao país, escreveu para jornais e revistas árabes, principalmente para os veículos iraquianos, libaneses e sírios. Também foi redator do jornal "Notícias Árabes", de 1965 a 1969.

Fonte: ANBA